Tremendão

 

O Tremendão


* Edson Rontani Jr.

Me lembro como se fosse hoje.

– “É uma justa homenagem a uma personalidade que marcou Piracicaba”.

A frase foi dita pelo grande amigo Evaldo Vicente, não me recordo ao certo o dia, mas sei que foi em 1974. Há 30 anos atrás Evaldo dava um passo importante no jornalismo de Piracicaba criando esta “Tribuna Piracicabana” cujo escritório, então, situava-se no cruzamento das ruas Alferes José Caetano e Voluntários de Piracicaba.

As palavras foram dirigidas ao meu pai Edson Rontani o qual na ocasião eu, com meus sete anos de vida, acompanhava. A visita feita era para levar o clichê de uma charge para que fosse publicada neste novo jornal.

A “justa homenagem” referida no início do texto era destinada ao Comendador Humberto D´Abronzo, o “Tremendão”, que falecera pouco antes da “Tribuna” iniciar sua circulação. É visível em minha mente Evaldo segurando o matutino e explicando ao meu pai suas intenções para com o jornalismo local.

Foi deste princípio que parei para rememorar um pouco sobre o “Tremendão” Humberto D´Abronzo que faleceu em 23 de maio de 1974, portanto, completando neste domingo seus 30 anos de tão sentida ausência.

Filho de italianos que inicialmente se instalaram em Mombuca, foi em Piracicaba nos idos anos 20 e 30 que iniciou o processo artesanal de cultivo de licores e bebidas destiladas em uma época difícil adaptação para aqueles que procuravam vida nova no Brasil. Piracicaba ainda era pequena e sua estrutura sócio-econômica ainda não havia se estabelecido. Amparado pelo pai Paschoal D´Abronzo e pela mãe Rosa Pizelli D´Abronzo – a caridade em pessoa, sempre ávida por ajudar o próximo -, Humberto teve seu ápice nos anos 50 e 60 quando notabilizou-se como o industrial da aguardente, com sua famosa marca “Pinga Tatuzinho” que por anos levou o nome de Piracicaba para todos os cantos do país e que chegou a ser exportada como “sugar liquor” (licor de açúcar). Foi na primeira metade do século passado que a família, com seu dom visionário, adquirira uma grande área onde encontra-se hoje a avenida Rui Barbosa. Então, além do Engenho Central, o horizonte da cidade era restrito e a geografia da Vila Rezende era ocupada por chácaras e muito mato.

O “Tremendão” tornou-se notório e, a geração que tem mais de 40 anos lembra-se dele por seu engajamento no esporte, não apenas no como presidente do Esporte Clube XV de Novembro, mas também como dirigente do basquete alvinegro em sua época de orgulho e muitas vitórias. É uma história que precisa ser resgatada numa época em que a “bola ao cesto” volta à ativa com nosso XV lançando-se pelo estado para mostrar que, além do futebol, nossos jogadores também entendem do esporte muito venerado nos Estados Unidos.

D´Abronzo começou a se interessar cedo pelo esporte. Chegou a jogar nos anos 20 no Clube de Regatas de Piracicaba, como amador. Nas fotografias de família, parece engraçado ver fotos deste homem de “ar sério” com um uniforme de jogador em plena partida.

Foi também um empresário que antecipou o futuro, acreditando, já nos anos 60, naquilo que se notabilizaria nos três décadas depois : o time empresa, muito evidenciados hoje pelos grandes times do eixo Rio-São Paulo e pelas principais equipes européias. Revelações foram feitas em suas mãos, como De Sordi que partiu para a Itália em seguida. Também trouxe a Piracicaba ídolos da capital como o caso de Picolé e tantos outros.

Mas, Piracicaba pouco conhece da história de Humberto D´Abronzo diante do basquete quinzista, numa época de estrelas como Pecente, Wilson Renzi,Wlamir e Emil Rached (que a minha geração conheceu como figurante de “Os Trapalhões”). D´Abronzo, como dirigente, levava o nome de Piracicaba, através de seu basquete, para países como a Inglaterra durante o Torneio Cristal de Grã-Bretanha em 1960 e para disputas amistosas como contra times da Tchecoslováquia e Áustria. São poucas estas histórias sobre sua dedicação ao esporte, e creio que apenas sua família tenha acesso a fotos e registros históricos hoje legados ao esquecimento.

Após o Basquete, Humberto assume a presidência do futebol do XV de Novembro. Promete crescimento, aposta nos jogadores, eleva o moral da equipe, passa a ser considerado um dos destaques do futebol paulista, chegando a ser comparado com os dirigentes dos grandes times de então. Era um nome muito lembrado e respeitado pela imprensa. Empenhou-se para que o Estádio Roberto Gomes Pedrosa (onde situa-se hoje o Pão de Açúcar na rua Regente Feijó) passasse a ser mais um estádio de Piracicaba após a inauguração do Estádio Barão da Serra Negra. Inclusive estava lá, Humberto e Luciano Guidotti para dar o pontapé inicial na primeira partida realizada no estádio. Como é bonito ver hoje fotos dos anos 60 em que a torcida lotava as arquibancadas.

Piracicaba deve a D´Abronzo uma de suas principais alegrias vividas na segunda metade dos anos 60 : a conquista do XV da Lei do Acesso do Futebol Paulista de 1967, levando o alvinegro à elite do futebol paulista. A cidade parou. Carros do Corpo de Bombeiros transitavam pela rua com dirigentes e jogadores do XV igual ao que vimos dois anos atrás quando a Seleção Brasileira foi pentacampeã. A festa terminou com muitas missas rezadas pelo padre Brasinha vestido com a camiseta do alvinegro e a torcida tomando conta da Praça José Bonifácio.

Pensou em se envolver na política, sendo candidato a vice-prefeito na chapa de Luciano Guidotti, desistindo da idéia pouco antes das eleições. Em 1971 decide deixar o XV que passou por nova mudanças a caminho da nova era Romeu Ítalo Rípoli. Humberto decide dedicar-se à família e abandonar a produção de aguardente.

Pena que o destino nos prega cada peça. Com o triste adeus do querido Rocha Netto, tive que engavetar um estudo iniciado em janeiro de 2003 para resgatar a história dos D´Abronzos e dos Rontanis como defensores do XV de Piracicaba. Rocha Netto tinha muitas informações e da última vez que ele me recebeu em sua residência – numa tarde de chuva – chegava a lembrar de fatos envolvendo Humberto D´Abronzo com tanta lucidez como se tivessem ocorrido um dia antes. Eram histórias que dariam para começar um longo livro.

A saudade não tem tempo para acabar. Esta saudade de homem firme e determinado já dura 30 anos. E pensar que ele poderia estar ao nosso lado forte e firme como suas irmãs Luzia, Anna e Suzana que estão por ultrapassar a casa dos 80 anos oferecendo a nós, jovens, um belo exemplo de vida !

Confesso que tenho ídolos. Um deles me recepciona há pelo menos 11 anos com um calor humano incomparável que é o Evaldo Vicente ao qual me referi no início deste texto. Outro foi meu pai, cuja herança principal foi um nome límpido e respeitado. D´Abronzo foi outro exemplo, que apesar do pouco tempo que o conheci – meus sete primeiros anos de vida – serve de espelho para o profissionalismo e de guia para meu futuro. Sou imensamente grato, Comendador “vô Berto”…

 

* o autor é jornalista

 

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