Como era verde o meu vale

Como era verde o meu vale


* por Edson Rontani Jr.


 


   “Como era verde o meu vale”, de John Ford. premiado em 1942 com o Oscar de melhor filme, sempre foi um de meus filmes preferidos e de muitos cinéfilos que assim se prezam. Na minha infância e adolescência, um de meus sonhos era assistir filmes desta espécie – preto e branco – na telona do cinema, através da qual eu poderia notar detalhes que a televisão não proporcionava.


   Aficionado pela sétima arte, sempre alimentei uma paixão condenada por meus pais, já que para assistir obras clássicas tinha que me privar do sono e passar madrugadas diante das “sessões corujas”, numa época em que vídeo-cassete ainda era um sonho e dvd nem havia sido idealizado.


   Mas, me lembro que nos anos 70 e início dos anos 80, Piracicaba me proporcionou ver obras hoje acessíveis para serem apreciadas em casa.


   Me lembro da minha infância, das idas ao Cine Politeama, situado em plena Praça José Bonifácio, onde hoje encontra-se o estacionamento do Banco Bradesco. O rememorar não cheira a pipoca ou Coca-Cola que hoje infestam os cinemas. Aliás, refrigerante só entrou na sala dos cinemas em Piracicaba na segunda metade dos anos 80. Antes, tínhamos de nos contentar com a água encanada do bebedouro. A minha recordação, então, não era da pipoca ou do refrigerante. Me recordo como se fosse hoje o cheiro das revistas novinhas que a criançada comprava antes das sessões na Banca de Revistas do Gianetti, situada embaixo da Rádio Difusora, que ainda hoje existe, mas sem os saudosos personagens da época, como o “seu” Gianetti ou o “seu” Balacini. Outra nostalgia que ainda hoje me remonta quase trinta anos atrás é o cheiro da doceria do “seu” Passarela, situada onde hoje está a porta de entrada do Banco Itaú. Ficava maravilhado com tantos baleiros de vidro, tantas guloseimas… Isso sim tinha cheiro de “ir ao cinema”!


   Me lembro de algumas passagens que o Politeama proporcionou na infância, pois foi ali que nos anos 70 fui testemunha da composição de “Os Trapalhões” iniciando-se com a dupla Dedé e Didi e finalizando-se como quarteto auxiliado pelo Mussum e pelo Zacarias. Foi lá também que vi o “rei” Roberto Carlos correndo a 300 km por hora ou em busca do diamante cor de rosa.


   Nesta época, a Praça José Bonifácio era o ponto de lazer do piracicabano. Era o nosso “shopping center”. Nos anos de 1980 e 1981, quando foi realizado o calçadão da Praça, quem não chegou a andar de bicicleta, jogar pingue-pongue ou xadrez no “Domingão” organizado pela Coordenadoria de Turismo (COOTUR) ?


   O Politeama também me frustou, pois, se não me engano, em 1977, fui assistir ao filme “Sansão e Dalila” – isso mesmo, aquele com o Vitor Mature de 1949! – e o bilheteiro não me deixou entrar por considerar o filme impróprio para uma criança ! “Em que uma história bíblica pode ferir a ingenuidade de uma criança de dez anos?”, pensei ? E note que falo de uma época muito longínqua do Big Brother e seus assimilados !   


   Outra passagem que o Politeama me proporcionou foi um dia ter me “encontrado” com o Mazzaropi na bilheteria do mesmo. “Será ele mesmo ?”, “Ele parece diferente !”, pensei, quando fui assistir um de seus últimos filmes. Crescido e com um conhecimento maior sobre o cinema, li em algum lugar que Mazzaropi não confiava na bilheteria dos distribuidores e para isso contratava pessoas para “auditar” a venda de bilhetes e os ingressos depositados na urna para conferir se os mesmos correspondiam à realidade. Numa destas “auditagem” ele mesmo chegou a vir a Piracicaba.


   Afora do meu tempo, acredito que ocorreu no início dos anos 60, uma história clássica que muitos piracicabanos já ouviram, quando alunos da ESALQ levaram um corvo em uma sacola de compras e, durante a exibição do filme, o soltaram no Politeama. Se é lenda ou não, eu não sei dizer. Não estava lá para confirmar. Mas, sei que o filme parou e foi uma arruaceira para prender a ave, a qual só foi pega quando caiu ao lado da tela de exibição.


   Ao sair do Politeama imaginava-me que, quando moço, teria dinheiro suficiente para comer uma porção de frango a passarinho na Brasserie ou tomar uma vitamina no Daytona olhando para o “carro de corrida” em tamanho natural pregado na parede. O Daytona fechou e em seu lugar está um banco. Eu cresci e meus pontos de lazer foram diferentes do imaginado.


   Com o seu fechamento, tínhamos o Cine Rívoli, na rua Benjamin Constant, como a maior sala da cidade. Foi lá também que vi os principais filmes dos Trapalhões e vi os primeiros filmes de séries como “De Volta para o Futuro” e “Indiana Jones”, nos anos 80.


   Ver filmes clássicos na grande tela continuava sendo minha obsessão. Só consegui matar esta vontade, acredito que entre 1982 e 1983, quando foi reinaugurado o Cine Broadway, na rua São José, onde situa-se hoje o Bingo Brodway – por isso o seu nome. Me lembro que, quando reinaugurado, a cidade toda foi assistir ao filme “A Lagoa Azul”, o filme mais água com açúcar da época, que emocionou platéias em todo o mundo.


   “Vamos ver ‘E o vento levou…´”, disse-me minha avó Julieta em 1982, quando o filme estava sendo reprisado no Broadway. Pensei : “ver Clark Gable e Vivien Leigh em uma tela maior de 20 polegadas ? …” Fui e me senti como se estivesse numa noite de entrega do Oscar. Apesar de pequeno, o Cine Broadway proporcionou o resgate de uma cultura deliciosa para mim na época. Foi lá que assisti ao “E o vento levou…”, “Ben-Hur” e tantos filmes que não mais dão audiência na tv mesmo que exibidos na madrugada.


   São saudades de um tempo que não volta mais. Nos cines Paulistinha ou Colonial nunca pisei. Cheguei a ir aos saudosos Cine Arte (no Teatro Municipal) e ao Cine Center 1 e 2 do Shopping Piracicaba.


   Os tempos hoje são outros. É … Como era verde o meu vale …


* o autor é jornalista

Os comentários estão fechados.