Lobato
Reinações de Monteiro Lobato em Araquá
* por Edson Rontani Júnior, jornalista
Em abril passado, quando se comemorou a auto-suficiência na produção do petróleo para consumo interno, poucos tiveram a lembrança que a busca pelo “ouro negro” em solo brasileiro teve uma importante contribuição de um polemista, escritor de sucesso e empreendedor chamado José Bento Monteiro Lobato, ou simplesmente Monteiro Lobato. Ele é considerado o maior escritor infanto-juvenil que o país já teve, com cerca de 40 títulos publicados. Nasceu em Taubaté, no Vale do Paraíba, e viveu entre 1882 a 1948. Foi autor, entre tantos outros títulos de sucesso, além de traduções de obras clássicas internacionais, de “O Pica-Pau Amarelo e as Mudanças da Natureza”, “Reinações de Narizinho”, “Emília no País da Gramática” e “O Poço do Visconde”. Fez nos jornais da capital aquele que seria sua consagração na literatura : o personagem Jeca Tatu.
Mas foi na vizinha cidade de São Pedro que Lobato iniciou uma longa jornada pela qual hoje é esquecido. Lá, ele perfurou a terra na intenção de encontrar petróleo. Com a criação, em 1931 da Companhia Petróleos do Brasil, acreditava que o combustível fóssil jorraria do chão no interior paulista. Passou a perfurar no bairro de Araquá (São Pedro) e no distrito de Riacho Doce (Alagoas). Nunca encontrou petróleo. Gastou toda a riqueza acumulada com seus livros e foi perseguido como agitador social pelo governo Getúlio Vargas. Chegou a visitar Piracicaba por volta de 1907, referindo-se à cidade em carta escrita em março daquele ano, quando assumiu o cargo de promotor público em Areias, no Vale do Paraíba.
Área de trabalho em São Pedro
Segundo o advogado Antonio F. de Moura Andrade, filho do fundador de Águas de São Pedro, Octávio Moura Andrade, e pesquisador da história na região, existem registros de que Lobato tenha feito pesquisas e prospecções na divisa norte do município de São Pedro com Charqueada (Xarqueada, no início do século passado), em área que hoje pertence a Águas de São Pedro compradas por Moura Andrade para implantação desta nova cidade. Porém, os passos iniciais não foram feitos por ele e sim pelo Serviço Geológico da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, cujo governador então era Júlio Prestes e o secretário de agricultura era Fernando Costa. Lobato seguiria os passos em busca do petróleo iniciados pelo italiano Ângelo Ballone que perfurou dois poços os quais chegaram a 1.615 metros, bem além das perfurações de Lobato.
Águas de São Pedro, se hoje tem a fama por suas águas medicinais, deve grande parte à estes pesquisadores. Antonio Moura Andrade lembra que foram poucas as iniciativas e Lobato teve maior destaque na história por ser um nome reconhecido nacionalmente. “A história relega ao esquecimento iniciativas com a de Ballone que gastou todo seu dinheiro e perdeu a saúde para apenas encontrar água no lugar do petróleo”, diz.
Torre de prospeção. Lobato aparece no meio
No início do século passado, quando a região passou a ser ocupada por fazendeiros, um determinado trecho de São Pedro apresentava forte cheiro similar ao querosene, que emanava de suas terras. O Bairro do Querosene, que então abrigava a fazenda de Ângelo Franzin, depois comprada por Octávio Moura Andrade para a instalação da estância de Águas de São Pedro, despertou a curiosidade de muitos investidores inclusive o governo federal. Entre 1915 e 1931 foram feitas diversas análises do material recolhido nos ribeirões de Araquá e Tuncum. Mas não passou disso. Os governos estadual e federal não se empenharam em aprofundar as pesquisas e apenas com a intromissão de iniciativas particulares é que a situação mudou.
Lobato criou a Companhia Petróleos do Brasil devido à forte influência que possuía na sociedade. Buscava investidores prometendo-lhes fortunas. Agregou valores diante de poderosos principalmente ao lançar ações de sua empresa na Bolsa de Valores. Em apenas quatro dias, vendeu metade das ações disponíveis. Chegou a declarar na época que, após o petróleo, a indústria do ferro seria sua futura investida. Um ano depois incorporou a Companhia Petróleo Nacional e em 1936 fundou a terceira sua última empresa mineradora, a Companhia Matro-Grossense de Petróleo.
Lobato, em pé a direita, junto a colaboradores
Em carta escrita em março de 1933, o escritor diz que esperava encontrar a camada comercial de óleo a 800 ou l mil metros de profundidade. Francisco Moura Andrade lembra que as sondas mais utilizadas na época eram da marca/modelo Keystone 45. Estas estão bem conservadas em Águas de São Pedro. “Elas eram de percussão e não rotativas, o que limitava muito sua eficácia, proporcionando limitação na perfuração ao redor de 400 a 500 metros de profundidade”, diz. Os primeiros poços dificilmente ultrapassavam essa metragem. Ângelo Ballone adaptou uma sonda que chegou a 1.615 metros. Um recorde para a época !
Em São Pedro : Octalles Marcondes Ferreira, Anísio Teixeira, Monteiro Lobato e Édson Carvalho
Autorizado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, subordinado ao Ministério da Agricultura, Monteiro Lobato instala em de São Pedro cinco poços de perfuração para encontrar petróleo.
Foi nesta época que surgiram os poços do Querosene, Franzin, Giocondo, Tucun e Graminha. Deles nunca jorrou o “ouro negro”. Apenas água sulfurosa, bicarbonatada ou com teor de enxofre. Todos integram os dez primeiros poços escavados em solo brasileiro para a retirada de petróleo. Três dos poços hoje oferecem água com poderes medicinais aos turistas : Fonte da Juventude (do Poço do Franzin), Fonte Gioconda (do Poço do Giocondo) e a Fonte Almeida Salles (Poço da Graminha).
No Poço Tuncun, quando chegou-se à uma prospecção de 314 metros, foi recolhida a quantidade de 20 litros de petróleo. Os ânimos ficam mais fervorosos. Chega-se a uma escalada de 758 metros terra abaixo. Encontraram-se várias camadas de terra impregnada à óleo. Em setembro de 1928, encontrou-se a presença de petróleo com base parafínica de cor verde. Não se sabe porque, mas o poço foi tapado e abandonado.
Lobato acabou com sua fortuna nesta tentativa de mostrar que “o petróleo é nosso”.
Os anos passavam e os investidores não viam retorno no dinheiro aplicado. Lobato organiza incursões a Araquá com personalidades influentes. Num domingo de 1933, dia 21 de maio, um trem chegava a São Pedro com diversos membros de um grupo que totalizava os 1.200 acionistas da Companhia Petróleo Nacional os quais averiguaram o que vinha sendo feito.
Mente brilhante, Lobato unia-se aos formadores de opinião da grande massa. Ainda em 1933, o presidente da rede Diários Associados, Assis Chateaubriand, passou pela região para conhecer no que Lobato se metera. Ambos já possuíam certa afinidade pois Lobato, quando em 1926 mudou-se para o Rio de Janeiro, passou a colaborar com O Jornal, de Chatô. Aliás, da imprensa ele queria distância. Considerava jornalistas os responsáveis pela adoração à cultura americana que imperava no país e impedia o avanço industrial e social interno. Em 1935, foi a vez de Júlio de Mesquita Filho, a quem chamava de “Capitão”, visitar as instalações de Araquá. Ao diretor de “O Estado de São Paulo” ele demonstrou ter grande confiança no aparelho Romero, desenvolvido para localizar lençóis petrolíferos e jazidas de gás. Esse Romero era a guia que os perfuradores americanos tinham em mãos para escavar o solo. Lobato tinha tanta confiança na infalibilidade do aparelho que apostava todas as suas moedas. Mas a história não mostrou isso, a não ser que o petróleo ainda encontre-se nas terras de Águas de São Pedro, porém em profundidade maior do que a esperada. Cabe salientar que o aparelho Romero apontava a existência do petróleo no solo, mas não indicava a profundidade necessária para a perfuração.
Inspiração – Lobato foi adido comercial no governo do presidente Washington Luiz e, em 1927, durante viagem aos Estados Unidos, na cidade de Detroit, conheceu as fábricas da Ford e da General Motors. Ficou maravilhado com o processo industrial e a potência criada em torno do petróleo. Manteve contatos com o industrial William H. Smith e espanta-se com a riqueza proporcionada pelo aço, apontado como a solução para o “crônico atraso” vivido pela nação verde e amarela.
O petróleo seria, segundo Lobato, a cartada do Brasil diante de países de todo o mundo. Com este produto deixaríamos de ser um país medíocre confrontando-nos com os Estados Unidos e potências européias. Até então, a compra do produto do exterior servia para continuarmos sendo uma colônia comercial dos países árabes, dos Estados Unidos e de nações vizinhas. Ele acreditava que o petróleo enriqueceria a nação brasileira já que no período colonial a descoberta do ouro enriqueceu outras nações e não a nossa.
Cabe lembrar que há um século atrás a funcionalidade do petróleo era restrita a servir como betume de iluminação, aquecimento, utilitário na cozinha e também para mover motores, como os veículos que começavam a se tornar a febre do momento. O petróleo foi descoberto por acaso em 1857, na Penssylvania, Estados Unidos, quando o coronel Drake furou a terra e em apenas dez metros conseguiu fazer jorrar um líquido negro e inflamável. Acabava aí a supremacia da Inglaterra na produção do carvão, principal fonte de iluminação, aquecimento e também força motriz para veículos e máquinas.
A investida do escritor-empreendedor Lobato também oferece à história sua presença no vizinho município de Charqueada, sendo que devido à precariedade do subsídio dado pelo governo estadual, nenhuma prospecção foi iniciada. Mas isso ativou a concorrência na região próxima a Piracicaba. Ângelo Balloni empenha-se também na busca pela matéria-prima do combustível. Escavou 1.615 metros em um poço do qual jorrou uma água mal-cheirosa. No local das perfurações, a água passou a brotar do solo, formando pequenos lagos. Os animais de sua fazenda preferiam beber desta água e Balloni notava que os ficavam mais dispostos e com uma pelagem mais bonita. Criava-se assim um outra fonte de riqueza : a estância hidromineral de Águas de São Pedro. Hoje, em homenagem a ele, a Torre Balloni é um marco da cidade.
Em novembro de 1935, Lobato desiste do campo Araquá. Recorre ao governador Armando de Salles Oliveira na intenção de sanar dívidas e prover-se de novos subsídios. Tudo em vão. Pára a perfuração de seu último poço a 1.076 metros por falta de verbas. Um ano depois, o governo federal solicita a devolução da sonda federal com que estava perfurando os poços em Araquá.
Entre os anos de 1932 e 1943 dedica-se às traduções de obras universais e escreve novos livros como forma de engordar o orçamento. Foram 14 livros, dentre os quais está “O Poço do Visconde”, no qual a turma do Sítio de Pica-Pau Amarelo explica geologia às crianças e faz apologia de que o Brasil é rico em petróleo.
Já com a saúde financeira abalada, Lobato passa a atacar o governo federal. Segundo ele, Getúlio Vargas agia em favor dos interesses dos Estados Unidos, não incentivando estudos e perfurações pelos brasileiros. Publica críticas ferozes, entre elas a que diz : ” que estupidez infinita estragar uma vida inteira aí… A ilusão do brasileiro é um caso sério. O mundo já está na era do rádio, e o Brasil ainda lasca pedra. Ainda é troglodita. O Brasil dorme. Daqui se ouve o seu ressonar. Dorme e é completamente cego”.
É enquadrado no início dos anos 40 na Lei de Segurança Nacional e passa três meses no Presídio Tiradentes em São Paulo. Teve sua casa e sua vida vasculhadas pela polícia. Suas empresas que buscavam petróleo – mas que só fizeram jorrar água com poderes medicinais – são liquidadas. Problemas familiares nos anos seguintes perdeu dois filhos pela tuberculose , o levaram à se entregar ao declínio. Faleceu devido a um derrame em 4 de julho de 1948.
Em 1953, Getúlio Vargas cria a Petrobrás, que em abril passado concretizou o sonho de Monteiro Lobato : o Brasil é rico e auto-suficiente no “ouro negro”.
O petróleo oficialmente foi descoberto no Brasil em 1939. Não tinha relação alguma com Monteiro Lobato. Nem foi uma de suas investidas. O primeiro veio petrolífero foi encontrado no subúrbio de Salvador, na Bahia. Curiosidade : o bairro onde o ele jorrou pela primeira vez chamava-se Lobato, mas nada a ver com o escritor. O local recebeu o nome em homenagem a Vasco Rodrigues Lobato, dono de uma fazenda de onde surgiu o bairro.